12 de jun. de 2007

O “efeito fênix”

por Pedro Alexandre Sanches

Com 44 anos de estrada, Jorge Ben Jor divide-se entre o culto à originalidade da obra que criou e o desgaste de fórmulas

Jorge Ben Jor, 65 anos, debate-se no palco da Casa Fasano. O objetivo é entreter uma platéia composta majoritariamente de espectadores de terno e gravata, num show fechado exclusivamente para clientes da Terco Grant Thornton. Até mesmo a assessora de imprensa da empresa de auditoria e consultoria estranha a escalação e palpita que um show de bossa nova combinaria bem mais com o público em questão.

Na madrugada, depois de extrair dos engravatados algum nível de animação, Jorge comenta a apresentação: “Está todo mundo ali, diretor, presidente da companhia. O pessoal fica comportado, até para dançar”. Diz que a inibição alheia não o inibe: “Não faz diferença. A gente toca porque tem de tocar. Isso é que é a prova dos noves, fazer esse público gostar da sua música e dançar”. O presidente da empresa e a esposa acabam subindo ao palco e caindo na dança.

Não é situação de exceção: shows chiques e fechados costumam aprimorar a sobrevivência não só de Ben Jor, mas da maioria dos astros pop. Mas enfrentar situações de deslocamento como aquela é a tônica de 44 anos de carreira profissional do autor de Fio Maravilha e Taj Mahal.

Parceiro do artista quando ele se chamava Jorge Ben e cantava acompanhado pelo Trio Mocotó, entre 1969 e 1972, João Parahyba remonta o desconforto aos primórdios: “Ele já ficava meio deslocado em tocar Mas Que Nada no Beco das Garrafas (o templo da bossa nova em que Ben estreou, em 1963). O som moderno da época era o jazz, que não se encaixava bem na cabeça dele. Ele vivia muito com o pessoal do rock, Os Incríveis, Roberto e Erasmo”.

Das origens fala também Wilson Simoninha, filho de um amigo próximo de Jorge, o controverso Wilson Simonal, ídolo popular que caiu em desgraça sob acusações de ser colaborador do regime militar e em 1974 acabou perseguido e preso pelo mesmo regime.

“Roberto, Erasmo, Jorge, Simonal e Tim Maia eram todos caras periféricos, sem formação universitária, numa época em que a formação universitária era tudo. Sofreram bastante com isso, como também Elis Regina. Foram patrulhados e tiveram de aprender a lidar com isso. Todos foram em casa visitar meu pai quando ele voltou da prisão”, diz Simoninha.

“Jorge sempre foi presente. Talvez não ficasse tão próximo mais por culpa do meu pai, que carregava o receio de estar prejudicando pessoas de quem gostava”, continua. “Por muito tempo esqueci isso, mas, quando meu pai foi preso, Jorge foi o cara que ia em casa todos os dias para brincar comigo. Foi chocante para mim, com 8 anos, os policiais entrando em casa, a história no Jornal Nacional.”

No início dos anos 90, Simoninha se integrou à Banda do Zé Pretinho, de Jorge. E foi um dos articuladores de mais uma retomada, dessas que um amigo de décadas, Washington Olivetto, chama de “efeito Fênix”. O publicitário fala de Jorge: “Ele tem as mesmas maluquices que se creditam a Roberto Carlos e Tim Maia. Só faz o que quiser, na hora que quiser. É o único artista brasileiro que se relançou quatro vezes com o mesmo êxito. Ciclicamente, se reinventa, ou é reinventado”.

O triunfo, na ocasião, veio com a massificação do funk W/Brasil (Chama o Síndico), inspirado pela agência de propaganda de Olivetto. Os envolvidos garantem que W/Brasil não foi gestada por nenhum golpe de marketing. “A gente fazia muitos shows pelos subúrbios, que em São Paulo chamam de periferia, e todo mundo cantava. Foi pegando, saiu das ruas para o rádio”, descreve Ben Jor.

Mas, logo após a explosão, a carreira passou a ser administrada por Manoel Poladian, um dos mais vorazes empresários musicais do País. “Começou a trabalhar daquela forma conhecida, Jorge ganhando dinheiro a rodo, Poladian botando dinheiro a rodo”, afirma Simoninha.

Poladian rebate, por e-mail, a idéia de que a exploração do êxito de W/Brasil tenha exaurido a imagem do artista: “Só um leigo pode classificar de superexposição a execução de uma música de qualidade. Nenhum artista tem desgaste enquanto faz um bom trabalho”.

Olivetto focaliza outro aspecto: “Foi a partir daquele estouro que se solidificou o Jorge ‘cult’”. Abria-se, para o cantor, uma fase de inédita valorização da obra anterior. Mesmo sob desgaste, se consolidava, com uma geração de atraso, a compreensão da colossal originalidade de discos formadores da identidade musical brasileira, como Samba Esquema Novo (63), Força Bruta (70), Negro É Lindo (71), A Tábua de Esmeralda (74), África Brasil (76).

No ambiente musical, de Marisa Monte ao mangue bit, quase todos que então surgiam pediram a bênção, declararam influência, ocasionalmente clonaram o mestre. Na periferia paulistana, os Racionais MC’s surgiram sob nenhuma identificação com a música brasileira, a não ser a de Tim Maia e Jorge Ben. “Mano Brown escreveu para mim, analisando A Tábua de Esmeralda, letra por letra. O que ele faz é bom, honesto. Alguém tem de prestar atenção no que fazem, nas letras deles.”

Ao participar de um show dos Racionais no Sesc Itaquera, em 2004, conheceu os filhos de Brown, batizados em homenagem a ele e à esposa. “Fiquei emocionado quando conheci o Jorginho e a Domênica, naquele dia.” Por causa dele também se chama Jorge o filho recém-nascido do músico Max de Castro, outro filho de Simonal e quase-filho de Ben Jor.

Diz Max: “Ele foi se mantendo em altos e baixos. Voltou, sumiu, voltou. Sobreviveu a modas e movimentos, sempre na paralela. Tocou no Beco, mas não era da elite da bossa nova. O mesmo com a Jovem Guarda, a Tropicália, o samba-rock. Nos 90, até Chico Buarque começou a falar que Jorge Ben era demais. Foi uma redenção até para aquela geração, que teve esse descuido com ele”.

“Ele foi muito machucado, muita gente o menosprezou após o sucesso de Mas Que Nada”, concorda Simoninha.

“Durante muito tempo, foi um artista exilado no próprio país. Hoje mora em Miami, o que para mim é algo inaceitável”, diz João Parahyba. Max aborda o tema sob outro registro: “Jorge mora em Orlando, num condomínio onde moram atores de Hollywood. Vem para o Brasil só para fazer show. Um cara que todo mundo achava que era um mané, um louco, é o grande pop star brasileiro”.

O pop star volta à terra natal vez por outra, para cantar no Fasano ou prestigiar o lançamento de Recuerdos de Asunción 443, CD de raridades dos anos 80 que se encerra com uma única canção nova, Emo, em citação a uma das tribos roqueiras em voga, de adolescentes que adotam roupas pretas, maquiagens carregadas, rock pesado, mas emotivo, e muita melancolia. Parecem infelizes, mas são felizes/ (...) parecem ilegais, mas são legais, canta, ensaiando mais um deslocamento, o missionário de alegria, simpatia e balanço que, segundo alguns, nunca fez uma música triste.

Jorge desafia o clichê: “Eu sou um emo. Sou o tio emo”. Ora diz que dedicou o disco a jovens emo que são seus vizinhos, ora dá a entender que, pai dos jovens Tomás e Gabriel, convive com o imaginário emo sob o mesmo teto: “Eu via isso lá em casa. Em cinco minutos alguém ficava bravo, depois ficava triste, depois alegre...”

João Parahyba belisca o assunto ao tecer impressões sobre o ex-parceiro: “Tenho a impressão de que se tornou um cara muito reservado, retraído, fechado, com medo do que os outros vão falar dele. Talvez hoje seja um artista triste. Talvez se sinta deslocado musicalmente, entre mundos”. Inicialmente duro, o depoimento duro deságua em emocionada declaração: “Ainda gostaria de fazer um show com ele, ou uma música que seja, porque sempre gostei muito dele. Mas isso é a vida que vai realizar, ou não”.

Ao final da entrevista, Jorge se descontrai. Fala sobre os cachorros. “Bota aí os quatro, senão vão ficar com ciúmes. Pumpkin e Spring são da raça lhasa apso. Aí tem uma maltês, a Tessy, e um poodle, Tuca Calvin.” Fala sobre os filhos. “Não tem nenhum músico. Tomás se formou agora na Flórida, em business administration. Está mandando currículo, de férias, jogando golfe, que ele gosta muito (assim como o próprio Jorge). Gabriel está indeciso entre fazer (faz uma pausa, suspira) ciências políticas e jornalismo.”

E ele, gosta de política? “Não, sou apolítico”, responde o padrinho de um dos filhos de Roberto Carlos. “Faço meu dever cívico, dou meu voto, às vezes me arrependo.” Tem se arrependido recentemente? “Agora, por enquanto, não. Pensei que ia me arrepender, mas não. Mas gostaria que o dólar voltasse a valer um real. Os empresários não gostam, mas é bom para o povo”, divaga o criador de País Tropical, antes de partir rumo à madrugada.

Um comentário:

ZIBA! disse...

ÓTIMA MATÉRIA, CARA, QUEM SENSACIONAL, SE EU VER ALGUM DIA AINDA O JOAO PARAHYBA, NEREU GARGALO, FRITZ E O JORGE JUNTOS, ACHO QUE POSSO MORRER MAIS TRANQUILO.RSRS.
IA SER COISA DE LOUCO REALMENTE, SERÁ QUE O JORGE ESCUTARIA O COMANCHE?
SENSACIONAL, ABRAÇOS!